O sepultamento no Brasil é um direito fundamental que afeta todas as famílias, mas muitos desconhecem as complexas regulamentações que o envolvem. A legislação brasileira estabelece regras específicas para o sepultamento em cemitério, abrangendo desde a concessão de jazigos até os direitos post mortem.
Além disso, as constantes atualizações nas leis e jurisprudências têm modificado significativamente o entendimento sobre direitos funerários no país. Este artigo apresenta uma análise detalhada das normas vigentes em 2025, esclarecendo os principais aspectos legais que todo cidadão precisa conhecer sobre o tema.
A natureza jurídica do sepultamento revela a complexa estrutura legal que fundamenta os direitos funerários no Brasil. Diferente de simples contratos comuns, os direitos relacionados ao sepultamento integram um campo específico que mescla elementos de direito administrativo, civil e até constitucional.
Cemitérios públicos e privados: diferenças legais
Os cemitérios no Brasil dividem-se em duas categorias principais com regimes jurídicos distintos. Os cemitérios públicos são classificados como bens públicos de uso especial, administrados pelo poder municipal que deve garantir seu funcionamento adequado e a segurança das lápides. Essa categoria de bem público destina-se ao sepultamento dos cadáveres sob o poder de polícia mortuária do município.
Por outro lado, os cemitérios privados, embora pertençam à iniciativa particular, são considerados bens de interesse público. Isso significa que, mesmo sendo privados, necessitam de autorização expedida pelas autoridades municipais para serem construídos e todas as suas atividades são fiscalizadas pelo Estado. Conforme entendimento doutrinário, esses cemitérios particulares não ficam ao livre arbítrio do proprietário, estando sujeitos às normas legais pertinentes ao serviço funerário.
Uma diferença fundamental está na natureza da propriedade dos jazigos. Nos cemitérios públicos, o terreno pertence às autoridades municipais, que concedem o direito de uso mediante o pagamento de taxas. Entretanto, nos cemitérios particulares, ao adquirir um jazigo perpétuo, a família torna-se efetivamente proprietária, podendo exercer poder de propriedade sobre ele.
Direito real de uso x direito de propriedade
A doutrina jurídica brasileira diverge quanto à natureza dos direitos sobre sepulturas. Nos cemitérios públicos, não existe transferência de propriedade, mas sim concessão real de uso de bem público. Quando o jazigo é perpétuo, trata-se de uma concessão de uso que gera um direito real sobre o terreno.
Conforme explicado pelo professor Justino Adriano F. Da Silva, “a concessão de terrenos em caráter perpétuo gera um direito real de uso”. Assim, com a concessão do uso ao concessionário, o concedente (poder público) continua na posse direta da coisa corpórea e no domínio desta. Este direito é alienado ao titular por meio de normas de Direito Administrativo.
Alguns doutrinadores defendem que, por ser o cemitério um bem do domínio público, os terrenos que assentam os jazigos não podem ser objeto de direitos reais, ou seja, não pode haver alienação ou venda deste bem que cause transferência de titularidade. Ademais, o artigo 815 do CPC proíbe a penhora sobre túmulos, concluindo-se que os jazigos são inalienáveis por contratos e insuscetíveis de licitação.
O que é o jus sepulchri e como ele se aplica
O jus sepulchri é um direito inalienável que todo brasileiro possui, garantindo que a família do ente querido possa sepultá-lo no terreno do cemitério. Trata-se do “conjunto de direitos que o titular da sepultura tem sobre o sepulcro”. Este conceito tem origem no direito romano e representa uma relação jurídica na qual, por meio de ato administrativo, vincula-se o particular ao bem público (sepultura).
É importante diferenciar o direito à sepultura do direito de ser sepultado. O primeiro refere-se ao local ou construção onde o morto “irá descansar”, enquanto o segundo é personalíssimo e se refere ao direito fundamental de receber destino adequado após a morte.
De acordo com recente jurisprudência, o sepultamento possui natureza jurídica constitucional, derivando do princípio da dignidade humana dos entes sobreviventes . Os parentes sobreviventes têm o direito constitucional de sepultar o ente falecido e manter seus restos mortais no jazigo da família, salvo previsão expressa no ato de concessão ou em lei local.
O jus sepulchri é impenhorável no direito brasileiro, sendo que somente o sepulcro pode ser penhorável por dívida resultante de sua própria aquisição ou construção. Além disso, mesmo sendo transmissível, não significa que seja plenamente alienável, pois seria contrário ao direito e à moral permitir livremente sua alienabilidade.
Em 2025, projetos de lei têm ampliado esse direito, como a proposta que torna obrigatório o sepultamento de perdas fetais e bebês natimortos, independentemente da idade gestacional do feto, demonstrando a evolução constante desse campo jurídico essencial para a dignidade humana.
Concessão, posse e propriedade de jazigos
Ao contrário da propriedade tradicional, o direito sobre sepulturas em cemitérios brasileiros segue regras específicas que muitos desconhecem. Entender essas particularidades é essencial para evitar problemas nos momentos mais sensíveis para as famílias.
No Brasil, existem dois tipos principais de jazigos: perpétuos e temporários. Os jazigos temporários são utilizados por um período limitado, geralmente três anos, após o qual é obrigatória a exumação dos restos mortais. Depois desse prazo, o espaço volta a ser disponibilizado pela administração do cemitério para nova locação.
Já os jazigos perpétuos concedem ao titular o direito de uso da terra por tempo indeterminado. Entretanto, é importante destacar que o terreno permanece sob propriedade do município – o que o titular adquire é apenas a concessão de uso. Dessa forma, o titular torna-se responsável pela manutenção do jazigo, pagamento das tarifas cemiteriais e demais obrigações previstas em lei.
Um aspecto importante é que, mesmo nos jazigos perpétuos, o direito de uso pode se extinguir com o falecimento do titular caso não haja transferência para um sucessor. Por isso, a regularização da titularidade é fundamental para garantir o uso contínuo pela família.
A posse jurídica e seus efeitos legais
A posse jurídica de um jazigo perpetuo não corresponde à propriedade do terreno. Conforme entendimento jurídico predominante, o que existe é um direito real de uso sobre bem público de uso especial. O cemitério municipal permanece como bem público, cabendo ao município sua gestão.
A transmissão do direito de uso do jazigo perpétuo opera-se aos herdeiros com a simples abertura da sucessão. Nesse momento, os herdeiros dão continuidade à posse que era exercida pelo falecido, não havendo como a posse adquirida ser partilhada como se o falecido tivesse a propriedade do imóvel.
Consequentemente, os contratos firmados com cemitérios são considerados mistos, envolvendo tanto a área onde o corpo será enterrado quanto a manutenção do túmulo. Mesmo em caso de inadimplência, a jurisprudência recente tem reconhecido que o contratante mantém direito à restituição de parte do valor pago para usar o terreno.
É preciso atenção às taxas de manutenção. Em vários municípios, há cobranças anuais obrigatórias para conservação dos cemitérios. No entanto, algumas concessionárias têm tentado implementar taxas adicionais não previstas em contrato, como serviços de zeladoria de jazigos, o que pode gerar ações judiciais.
Transferência de titularidade: inter vivos e mortis causa
A transferência de titularidade pode ocorrer de duas maneiras principais: inter vivos (entre pessoas vivas) ou causa mortis (após o falecimento do titular).
Quando o titular ainda está vivo (inter vivos), ele pode transferir o direito de uso para outra pessoa, desde que comprove a legitimidade e concordância no processo de transferência. Já no caso do falecimento do titular (causa mortis), a transferência segue regras específicas.
Para transferência após falecimento, se o jazigo foi incluído em testamento ou inventário, será necessária a apresentação dessa documentação. Na ausência destes documentos, exige-se toda documentação probatória da cadeia hereditária. Em alguns casos, a transferência a herdeiro legítimo prescinde de inventário ou arrolamento, sendo suficiente um simples pedido de alvará judicial, mediante demonstração da regular cadeia de sucessões.
Os documentos geralmente exigidos para transferência de titularidade incluem:
CPF e RG do novo titular
Comprovante de residência atualizado
Documentação de estado civil
Inventário e/ou testamento, quando aplicável
Aproximadamente 80% das famílias proprietárias de jazigos não estavam regularizadas em 2019, quando o serviço de transferência foi retomado após cinco anos de suspensão devido a fraudes e irregularidades. A partir da regularização, mesmo com o titular já falecido, a titularidade pode ser transferida com acréscimo de novos beneficiários, evitando que o jazigo fique em situação de abandono.
É importante observar que cada município tem autonomia para regulamentar ou não a transferência desse direito conforme sua legislação local, criando diferenças nas regras aplicáveis em cada localidade do país.
Limites legais para compra, venda e penhora de sepulturas
As restrições jurídicas relacionadas ao sepultamento vão muito além do conhecimento comum, especialmente quando se trata de comercialização e execução de dívidas envolvendo jazigos. Entender esses limites torna-se fundamental para qualquer pessoa que lide com questões funerárias.
Por que a venda é proibida em cemitérios públicos
A legislação brasileira estabelece claramente que “as concessões de uso das sepulturas dos cemitérios públicos não conferem aos titulares nenhum título de propriedade ou qualquer direito real, mas somente o direito de utilização privativa”. As sepulturas em cemitérios municipais são classificadas como bens públicos de uso especial e, por lei, não podem ser objeto de alienação de propriedade.
Em várias cidades brasileiras, a venda de jazigos em cemitérios públicos é expressamente proibida. Por exemplo, em Curitiba, o decreto 1202/2011 determina que lotes que forem objeto de venda ilegal comprovada serão revertidos automaticamente ao município. Apesar disso, algumas prefeituras permitem transferências hereditárias, mas nunca compra e venda entre particulares.
No entanto, existem exceções, como no Rio de Janeiro, onde o titular do jazigo pode vendê-lo a qualquer momento, desde que esteja vivo. Caso a sepultura esteja em nome de alguém já falecido, a venda só pode ocorrer após a transferência de titularidade para algum beneficiário vivo, além da retirada dos restos mortais e quitação de débitos pendentes.
A controvérsia sobre a penhora de túmulos vazios
A questão da penhora de jazigos gera intensos debates nos tribunais brasileiros. Existe uma corrente jurisprudencial que permite a penhora de jazigos que possuam valor econômico e não tenham nenhum sepultamento realizado. Conforme decisões judiciais: “Possuindo o jazigo valor econômico e não tendo sido nele realizado qualquer sepultamento, não há óbice ao pedido de penhora formulado pelo agravante”.
Por outro lado, outra linha de entendimento considera que mesmo jazigos vazios são impenhoráveis por seu caráter sentimental ou religioso. De acordo com essa visão, “não existe no jazigo apenas um objeto do direito”. Ademais, “havendo incerteza quanto à ocupação de jazigo, deve ser mantida sua impenhorabilidade até que haja prova de que o bem encontra-se desocupado”.
O papel da jurisprudência na proteção do bem funerário
A jurisprudência brasileira tem consolidado importantes precedentes na proteção de jazigos familiares. A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais decidiu que “jazigos não podem ser penhorados em ação de execução de dívida” por serem considerados bens de família.
O juiz Tarcísio Martins Costa, em decisão emblemática, afirmou que se a lei protege a entidade familiar que utiliza o imóvel como residência, impedindo sua penhora, “com muito mais razão tal proteção há de se estender sobre a última morada dos membros já falecidos, para que possam repousar em paz”.
Consequentemente, alguns tribunais estabeleceram por analogia à Lei 8.009/90 que “o direito de uso de jazigo perpétuo equipara-se ao bem de família, adquirindo caráter impenhorável, mormente quando comprovado que se encontra ocupado com os restos mortais de ente familiar”.
Em cemitérios particulares, a situação jurídica apresenta nuances diferentes, visto que o contrato de cessão de uso torna-se instrumento legal importante que garante a legitimidade da transação. Nestes casos, recomenda-se que o contrato seja assinado pelo cessionário, cedente e duas testemunhas, além de ser lavrado em cartório, garantindo sua idoneidade legal.
Direitos da personalidade após a morte
A legislação brasileira reconhece que certos aspectos da personalidade transcendem a morte, criando um fenômeno jurídico singular onde direitos permanecem protegidos mesmo após o falecimento do seu titular. Essa proteção post mortem fundamenta-se no princípio da dignidade humana.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, estabelece a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. Essa proteção não cessa com a morte – o velho adágio jurídico mors omnia solvit (a morte tudo resolve) tem aplicação mitigada no campo dos direitos da personalidade.
O Código Civil brasileiro solidifica essa proteção nos artigos 12 e 20, com parágrafos únicos que especificamente tratam do falecido. A utilização comercial da imagem do morto sem autorização da família constitui ato ilícito, mesmo anos após o falecimento. Em 2022, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça reiterou que o direito de imagem não se extingue com a morte.
Além disso, em 2025, com o aumento da longevidade e avanços tecnológicos, a proteção dos direitos post mortem ganhou relevância adicional, especialmente quanto à proteção de imagem e sucessão de bens digitais, como contas em redes sociais e criptomoedas.
Quem pode reivindicar danos morais pós-morte
Em 2020, o STJ aprovou a Súmula 642, que estabelece: “O direito à indenização por danos morais transmite-se com o falecimento do titular, possuindo os herdeiros da vítima legitimidade ativa para ajuizar ou prosseguir a ação indenizatória”.
Quanto à legitimidade para defender direitos da personalidade do falecido, o artigo 12 do Código Civil é mais abrangente, incluindo “o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”. Porém, para proteção específica da imagem, o artigo 20 restringe aos “cônjuge, ascendentes ou descendentes”.
Portanto, embora a personalidade jurídica termine com a morte (art. 6º do Código Civil), a proteção à dignidade do falecido continua através da atuação dos familiares, que defendem tanto a memória do ente querido quanto seus próprios direitos reflexamente afetados.
Extinção do direito à sepultura e exumação
O direito de sepultamento, mesmo quando perpétuo, está sujeito a condições específicas que podem levar à sua extinção. Este aspecto temporal do direito funerário brasileiro estabelece limites importantes para famílias e concessionários de jazigos.
Nos cemitérios brasileiros, o direito à sepultura expira de duas formas principais. Para concessões temporárias, o prazo é geralmente de três anos para adultos e dois anos para crianças. Após esse período, o direito se extingue automaticamente, exigindo renovação ou exumação dos restos mortais. Mesmo as concessões perpétuas podem ser revogadas em caso de abandono jurídico, caracterizado pela falta de conservação e manutenção do jazigo.
O abandono é legalmente configurado quando há ausência de limpeza, conservação ou reparação necessária. Nestes casos, a administração do cemitério deve convocar os concessionários por correspondência com aviso de recebimento ou, caso não localizados, por edital publicado na imprensa oficial. O prazo para regularização é geralmente de 90 dias, após o qual as sepulturas podem ser demolidas e os restos mortais transferidos para o ossário.
Regras para exumação e remoção de restos mortais
A exumação só pode ocorrer após o período mínimo de três anos para adultos e dois anos para crianças menores de seis anos. Exceções são permitidas apenas mediante autorização judicial ou policial para fins investigativos. Este prazo baseia-se no tempo necessário para a decomposição natural dos tecidos.
O procedimento deve seguir rigorosos protocolos sanitários, com uso de equipamentos de proteção individual conforme previsto pela Resolução Estadual SS-28/2013. Durante a pandemia de COVID-19, protocolos específicos foram implementados para exumação de corpos acondicionados em sacos plásticos impermeáveis, que retardam a decomposição.
Impactos legais e emocionais da exumação
A exumação frequentemente reacende o luto nas famílias, criando uma sensação de “segunda perda”. Muitos familiares experimentam tristeza, angústia e ansiedade durante este processo, especialmente quando é obrigatório por vencimento de prazo.
Após a exumação, os restos mortais podem ter diferentes destinos:
Transferência para ossada perpétua (gavetas identificadas)
Colocação em urna de zinco ao lado do jazigo
Cremação (após autorização familiar)
Depósito em ossário coletivo (quando não há manifestação da família)
A falta de regularização pode resultar na perda definitiva do direito ao jazigo. Em algumas cidades, como Belo Horizonte, os restos mortais não reclamados são guardados por cinco anos e depois depositados em ossários municipais. Portanto, manter contato com a administração do cemitério e regularizar a documentação é essencial para preservar tanto os direitos funerários quanto a memória familiar.
Conclusão
Portanto, o sistema funerário brasileiro apresenta uma estrutura jurídica complexa que protege tanto os direitos dos vivos quanto a dignidade dos falecidos. Certamente, as regras específicas sobre concessões, transferências e exumações demonstram a seriedade com que nossa legislação trata este tema fundamental.
A compreensão dessas normas torna-se essencial para todas as famílias brasileiras. Assim, conhecer antecipadamente seus direitos e responsabilidades ajuda a evitar problemas futuros, especialmente em momentos de perda e luto.
Vale ressaltar que a constante evolução da jurisprudência tem fortalecido as garantias legais relacionadas aos direitos funerários. Consequentemente, as famílias podem contar com uma proteção jurídica mais robusta, desde que mantenham sua documentação regularizada e cumpram as obrigações estabelecidas em lei.