Lidar com um falecimento é uma das experiências mais difíceis que podemos enfrentar na vida, especialmente quando ocorre em nosso próprio lar.
Além do impacto emocional, um falecimento em casa traz consigo uma série de procedimentos legais e burocráticos que precisam ser seguidos. Muitas pessoas ficam confusas sobre o que fazer quando alguém morre, principalmente porque essa situação geralmente acontece de forma inesperada. A morte em domicílio exige ações imediatas e específicas que, se não forem realizadas corretamente, podem causar complicações adicionais em um momento já doloroso.
Este guia foi criado para orientar você passo a passo sobre todos os procedimentos necessários, desde os primeiros momentos após o falecimento até questões como documentação, funeral e aspectos legais. Nosso objetivo é fornecer informações claras e práticas para que você possa agir com mais segurança durante esse período difícil.
1. Primeiros passos após o falecimento em casa
Quando ocorre um falecimento em casa, os primeiros momentos são fundamentais e exigem ações específicas. A forma de proceder varia conforme as circunstâncias da morte e o histórico médico da pessoa falecida. Entender esses procedimentos iniciais ajudará a família a agir corretamente em um momento de grande dor.
O primeiro passo após um falecimento em domicílio é verificar se o falecido possuía acompanhamento médico regular. Caso a pessoa estivesse sendo acompanhada por um médico, é indispensável que ele seja chamado imediatamente para constatar o óbito e emitir a Declaração de Óbito. Este documento é essencial para todos os procedimentos funerários.
A responsabilidade pela emissão da Declaração de Óbito é atribuída exclusivamente aos médicos, conforme previsto no Código de Ética Médica e nas resoluções do Conselho Federal de Medicina. É importante destacar que é vedado ao médico atestar óbito quando não o tenha verificado pessoalmente ou quando não tenha prestado assistência ao paciente, exceto em casos específicos como plantonistas ou substitutos.
Na ausência do médico que acompanhava o paciente, um médico substituto pode emitir a declaração, desde que verifique pessoalmente o falecimento. Vale ressaltar que é proibido ao médico cobrar pela emissão da Declaração de Óbito em qualquer situação.
Quando chamar o SAMU ou a polícia
Quando não há um médico que acompanhava regularmente o falecido, o procedimento correto é chamar o SAMU (telefone 192). Após a constatação do óbito pelo SAMU, é necessário dirigir-se à delegacia de polícia mais próxima para registrar um Boletim de Ocorrência comunicando o falecimento.
Feito o registro, deve-se retornar ao local do óbito e aguardar a perícia. A perícia acionará o Centro de Comunicações da Polícia Civil (Cepol), que providenciará o transporte do corpo para o Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) em caso de aparente morte natural, ou para o Instituto Médico Legal (IML) em casos de morte suspeita ou violenta.
Em algumas localidades, o SAMU pode fazer a constatação do óbito de forma remota. Nesse caso, o médico regulador fará a constatação do óbito por telefone e, se confirmada a morte natural, comunicará ao Serviço Municipal do Luto para a remoção do corpo.
Quando o falecimento ocorre em via pública, é obrigatório chamar a polícia. Independentemente de a morte ser natural, acidental ou violenta, é preciso registrar um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima e aguardar a perícia técnica.
Diferença entre morte natural e suspeita
Compreender a diferença entre morte natural e suspeita é fundamental para saber qual procedimento seguir. A morte natural é aquela cuja causa básica é uma doença ou estado mórbido, como:
Óbito em pacientes previamente saudáveis, sem suspeitas de causas externas
Pacientes com suspeita de doenças de investigação epidemiológica
Morte natural com assistência médica, mas com causa não definida
Por outro lado, a morte por causa externa ou não natural é aquela que decorre de lesão provocada por violência, como:
Ferimentos por arma de fogo ou arma branca
Acidentes automobilísticos ou quedas que provocaram lesões fatais
Intoxicação exógena por medicamentos, envenenamento ou overdose
Cadáver em estado de decomposição ou sem identificação
A morte suspeita ocorre quando as circunstâncias e sinais externos não permitem definir se a morte foi natural ou violenta, necessitando de investigação adicional.
Em casos de morte natural, o corpo é encaminhado ao Serviço de Verificação de Óbito (SVO), que é um órgão da Secretaria de Estado da Saúde. O SVO realizará a necropsia para determinar a causa da morte e emitirá a Declaração de Óbito.
Para mortes suspeitas ou violentas, o corpo é enviado ao Instituto Médico Legal (IML), vinculado à Secretaria de Segurança Pública do Estado. O IML realizará os procedimentos necessários para identificar a causa da morte, o que pode levar mais tempo que o processo no SVO.
2. Como obter a Declaração e Certidão de Óbito
Após a constatação do falecimento, é fundamental entender a diferença entre dois documentos essenciais: a Declaração de Óbito e a Certidão de Óbito. Apesar de nomes semelhantes, eles têm finalidades distintas e são emitidos por profissionais diferentes.
A Declaração de Óbito, também conhecida como atestado de óbito, é um documento médico que comprova a morte de uma pessoa e identifica suas causas. De acordo com o Código de Ética Médica e a Resolução nº 1779/05 do Conselho Federal de Medicina, o preenchimento da Declaração de Óbito é um ato exclusivamente médico.
Em casos de morte natural com assistência médica, o médico que prestava atendimento ao falecido é o responsável por emitir a declaração. Quando o falecimento ocorre em hospital, o documento deve ser preenchido pelo médico assistente ou, na sua ausência, pelo médico substituto ou plantonista.
Para óbitos em casa sem assistência médica regular, a família deve contatar o Serviço de Verificação de Óbitos (SVO). Em localidades sem SVO, a declaração pode ser emitida por médicos do serviço público de saúde mais próximo ou, na ausência destes, por qualquer médico da região.
Vale ressaltar que é proibido ao médico cobrar pela emissão da Declaração de Óbito. Além disso, as funerárias não podem distribuir ou preencher estes formulários, sendo esta uma atribuição exclusivamente médica.
Em situações excepcionais, quando não há médico na localidade, a declaração pode ser feita por duas testemunhas que presenciaram ou verificaram a morte, conforme o artigo 77 da Lei Federal nº 6.015/1973.
Onde registrar a Certidão de Óbito
A Certidão de Óbito é um documento oficial emitido pelo Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. O registro deve ser feito no cartório da circunscrição onde ocorreu o falecimento, não no cartório da residência do falecido.
O prazo legal para registrar o óbito é de até 15 dias após o falecimento. Em regiões distantes mais de 30 quilômetros da sede do cartório, este prazo é estendido para até três meses. Após esse período, a certidão só poderá ser emitida mediante determinação judicial.
A solicitação pode ser feita por familiares diretos como filhos, pais, irmãos ou cônjuge. Na ausência destes, o registro pode ser solicitado por administradores de hospitais ou presídios onde ocorreu a morte, por quem assistiu aos últimos momentos do falecido ou pela autoridade policial, no caso de pessoas encontradas mortas.
É importante destacar que sem a Certidão de Óbito não é possível realizar o sepultamento em cemitérios públicos ou privados, nem dar andamento aos trâmites burocráticos como encerramento de contas bancárias, inventário e comunicação aos órgãos governamentais.
Documentos necessários para o cartório
Para registrar o óbito no cartório, o declarante deve apresentar:
Declaração de Óbito (DO) emitida pelo médico, hospital ou IML
Documento de identidade do declarante
Documentos pessoais do falecido, incluindo:
RG e CPF
Certidão de nascimento (para solteiros) ou casamento (para casados ou viúvos)
Título de eleitor
Carteira de trabalho
Certificado de reservista (para homens)
Cartão do INSS (caso fosse beneficiário)
Além dos documentos, o declarante deverá fornecer informações adicionais como estado civil do falecido, nomes dos filhos (informando se são maiores ou menores), se deixou bens a inventariar, se era eleitor e onde será realizado o sepultamento.
Após o registro, o cartório emitirá a Certidão de Óbito, que é gratuita em sua primeira via, conforme determinação legal. Este documento é fundamental para todos os procedimentos legais subsequentes relacionados ao falecido.
3. Organização do funeral e sepultamento
Com a Declaração e Certidão de Óbito em mãos, o próximo passo envolve organizar o funeral e o sepultamento. Esse processo exige decisões importantes em um momento emocionalmente difícil, mas entender as opções disponíveis pode tornar essa etapa menos angustiante.
Contratação de agência funerária
Após obter a documentação necessária, é preciso procurar uma agência funerária municipal ou particular para contratar os serviços de velório e funeral. A agência funerária oferece geralmente:
Preparação e conservação do corpo
Fornecimento da urna (caixão)
Ornamentação para o velório
Transporte do corpo
Auxílio com documentação adicional
O velório pode ser realizado em hospitais, igrejas, residências ou em velórios municipais, conforme a escolha feita no momento da contratação. Para reservar o local, a agência funerária auxilia com os procedimentos necessários.
Algumas empresas oferecem serviços adicionais como tanatopraxia (preparação e conservação temporária do cadáver) e traslados para outras cidades. Contudo, é importante verificar quais serviços são realmente necessários, já que procedimentos como a tanatopraxia não são obrigatórios por lei, apenas recomendados em situações específicas.
Opções de sepultamento ou cremação
No Brasil, aproximadamente 90% dos falecidos são sepultados, enquanto apenas 10% são cremados. Essa diferença deve-se principalmente a questões culturais, religiosas e à crença equivocada de que a cremação é mais cara.
O sepultamento tradicional exige a compra ou aluguel de um espaço no cemitério. Quando a família não possui um jazigo, é possível adquirir uma concessão no momento da contratação ou optar pelo sepultamento em quadras ou gavetas pelo prazo de três anos, mediante pagamento de aluguel.
A cremação, por outro lado, tem se tornado uma opção mais procurada por seu menor impacto ambiental. Para realizá-la, é necessária a assinatura de dois médicos na declaração de óbito ou autorização judicial em casos de morte violenta.
Direito ao auxílio funeral em caso de baixa renda
Famílias em situação de vulnerabilidade social têm direito ao auxílio funeral oferecido pelo município. Este benefício varia conforme a localidade, mas geralmente cobre os custos básicos do funeral.
Para servidores públicos aposentados falecidos, o DECIPEX oferece auxílio-funeral equivalente a um mês de remuneração do falecido. Já para famílias de baixa renda, o benefício pode ser solicitado nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS).
Para solicitar o auxílio, o requerente geralmente precisa apresentar:
Nota fiscal da funerária
Cópia da certidão de óbito
Documentos pessoais do falecido e do requerente
Comprovação de inscrição no Cadastro Único (CadÚnico)
Comprovante de endereço
Em alguns municípios, a solicitação deve ser feita imediatamente na funerária, pedindo o “kit social”, que inclui urna simples, ornamentação, velório e taxas municipais.
4. Cancelamento de documentos e contas do falecido
Após o funeral, começa uma fase igualmente importante: regularizar os documentos e contas do falecido. Esta etapa, embora burocrática, é essencial para evitar fraudes e problemas legais que podem afetar os familiares no futuro.
CPF, RG, Título de Eleitor e CNH
Os documentos pessoais do falecido precisam ser cancelados oficialmente nos órgãos competentes. O CPF deve ser regularizado na Receita Federal, apresentando a certidão de óbito e um documento de identidade do falecido. Porém, se o falecido deixou bens, não cancele o CPF imediatamente – solicite a migração para um CPF temporário que será usado durante o processo de inventário.
O RG geralmente é cancelado automaticamente quando o cartório emite a certidão de óbito, pois os cartórios comunicam às Secretarias de Segurança dos Estados. Caso isso não ocorra, apresente a certidão de óbito na Secretaria de Segurança Pública.
Para o cancelamento da CNH, é necessário comparecer ao Detran com a certidão de óbito. Quanto ao Título de Eleitor, o cancelamento ocorre automaticamente, pois os cartórios informam à Justiça Eleitoral em até 24 horas sobre os registros de óbitos.
Encerramento de contas bancárias
As contas bancárias devem ser bloqueadas imediatamente após o falecimento para evitar a cobrança de taxas e possíveis fraudes. Entre em contato com cada instituição financeira onde o falecido mantinha contas, apresentando a certidão de óbito.
Entretanto, o encerramento definitivo e saque de valores dependem do processo de inventário. Mesmo que você possua senha e cartão, sacar dinheiro sem autorização judicial é considerado crime. O processo de inventário deve iniciar em até 30 dias após o falecimento.
Em contas conjuntas, o banco limita os movimentos do titular sobrevivente a 50% do montante total desde o momento em que é notificado do falecimento.
Comunicação ao INSS e Receita Federal
Por lei, os cartórios têm prazo de um dia útil para registrar o óbito no Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (SIRC), através do qual o INSS faz o cruzamento de dados e cessa benefícios automaticamente.
Embora não seja obrigatório, familiares podem comunicar o falecimento ao INSS através do Meu INSS ou pela Central 135. É importante saber que o recebimento indevido de pagamento de segurado falecido pode gerar cobrança administrativa e até mesmo processos criminais por estelionato.
Se houver valores não recebidos em vida pelo beneficiário, a família deve requerer o serviço “Solicitar Emissão de Pagamento Não Recebido” pelos canais remotos do INSS, anexando documentação que comprove a condição de herdeiro.
5. Inventário, testamento e dívidas
Concluídas as providências iniciais relacionadas ao falecimento, chega o momento de lidar com questões patrimoniais do falecido. O inventário é um procedimento legal obrigatório que organiza a transferência de bens, direitos e obrigações para os herdeiros.
Quando é necessário fazer inventário
O inventário é obrigatório sempre que uma pessoa falece deixando bens a serem transferidos. Conforme previsto no Código de Processo Civil, deve ser iniciado em até 60 dias após o falecimento. Caso esse prazo não seja respeitado, poderá incidir multa de até 20% sobre o valor do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Sem o inventário, os herdeiros ficam impossibilitados de transferir, vender ou utilizar legalmente os bens deixados pelo falecido. Além disso, o cônjuge sobrevivente não poderá se casar novamente, exceto se tiver formalizado o regime de separação total de bens no casamento com o falecido.
Diferença entre inventário judicial e extrajudicial
O inventário judicial é realizado perante um juiz e se torna obrigatório em três situações principais: quando há testamento válido, quando existem herdeiros menores ou incapazes, ou quando não há consenso entre os herdeiros sobre a partilha. Este processo geralmente leva entre um e três anos para ser concluído, podendo se estender por mais tempo em casos complexos.
Por outro lado, o inventário extrajudicial é feito em Cartório de Notas, sendo muito mais rápido – entre 30 e 90 dias. Entretanto, só pode ser realizado quando todos os herdeiros são maiores e capazes, há consenso sobre a divisão dos bens e não existe testamento válido.
O que acontece com as dívidas deixadas
Contrariamente ao que muitos pensam, as dívidas do falecido não são automaticamente transferidas aos herdeiros. Segundo o artigo 1.792 do Código Civil, quem responde pelas dívidas é o patrimônio deixado (espólio), não os familiares.
Durante o inventário, todas as dívidas devem ser pagas antes da partilha dos bens. Se as dívidas forem maiores que o patrimônio, os credores assumem o prejuízo e os herdeiros não recebem nada, mas também não têm obrigação de pagar a diferença com recursos próprios.
Alguns tipos específicos de dívidas podem ser extintas com o falecimento, como empréstimos consignados e financiamentos imobiliários que possuem seguro prestamista.
Considerações finais
Lidar com o falecimento de um ente querido representa um dos momentos mais desafiadores da vida. Este guia buscou fornecer orientações claras para atravessar esse período difícil com mais segurança e menos dúvidas.
Primeiramente, a constatação do óbito deve seguir procedimentos específicos, seja através do médico que acompanhava o falecido ou por meio do SAMU e autoridades competentes. A obtenção da Declaração e Certidão de Óbito constitui etapa fundamental para todos os trâmites subsequentes.
Durante a organização do funeral, diversas opções se apresentam às famílias, desde serviços funerários básicos até cremação. Famílias de baixa renda devem saber que existe a possibilidade de auxílio funeral, garantindo dignidade mesmo em momentos financeiramente difíceis.
Após o sepultamento, inicia-se uma jornada burocrática igualmente importante. O cancelamento de documentos, encerramento de contas bancárias e comunicação aos órgãos públicos previnem fraudes e complicações futuras. Paralelamente, o inventário deve ser iniciado dentro do prazo legal, evitando multas desnecessárias.
Vale ressaltar que as dívidas do falecido não transferem automaticamente aos herdeiros, pois quem responde por elas é o patrimônio deixado, conforme estabelece a legislação brasileira.
Certamente, nenhum guia substitui o apoio emocional necessário neste momento. Portanto, busque suporte de amigos, familiares ou profissionais para processar o luto adequadamente enquanto cuida dos aspectos práticos.
Este conhecimento, embora pareça burocrático, traz segurança e tranquilidade em um período naturalmente conturbado. Cada procedimento aqui descrito visa proteger a memória do falecido e garantir que seus assuntos sejam resolvidos com dignidade e respeito.